Alcance da confidencialidade

delinear limites contribui para sucesso do procedimento

Cristiano Cardoso Dias
Vamilson José Costa

A confidencialidade, uma das mais estimadas vantagens da arbitragem, indiscutivelmente é uma expectativa legítima dos usuários desse mecanismo de resolução de conflitos e um elemento determinante na assinatura da cláusula compromissória. Vale destacar que a confidencialidade compreende, como regra geral, todo o procedimento, a própria existência do litígio, o valor em disputa, as provas produzidas, os documentos apresentados, o resultado e o conteúdo da sentença arbitral e quaisquer detalhes que permitam a identificação das partes.

Ocorre que com certa frequência as partes se esquecem — notadamente no momento da redação da convenção de arbitragem — de delinear o dever de confidencialidade ao qual se submetem durante e após o procedimento, dando margem a futuras discussões e violações.

Dado o caráter primordialmente contratual do sigilo na arbitragem, a extensão do dever de confidencialidade vai variar de acordo com a vontade das partes, as determinações do tribunal arbitral ou as regras da instituição de arbitragem eleita.

Assim, se a relação contratual for particularmente sensível ou informações de caráter sigiloso forem objeto do contrato, recomenda-se que a cláusula compromissória já estabeleça o dever de confidencialidade do procedimento arbitral e sua extensão. Nesse caso, uma cláusula mais sofisticada e mais segura deverá prever também as exceções ao princípio da confidencialidade, relacionadas, tradicionalmente, a deveres legais de divulgação, informações de domínio público, exercício de direito de defesa, execução e anulação da sentença arbitral. A prefixação das consequências e penalidades aplicáveis em caso de descumprimento por uma das partes pode evitar dores de cabeça posteriores.

Convém ressaltar que o dever de confidencialidade em razão da arbitragem não se confunde com o sigilo material, que abarca, por força da lei ou pela vontade das partes, determinados documentos e informações privilegiadas. Por essa razão, “non disclose agreements” e cláusulas tradicionais de confidencialidade e sigilo tendem a não garantir a proteção da confidencialidade processual ou da arbitragem como um todo.

De qualquer forma, a ata de missão ou termo de arbitragem deverá contemplar a matéria para melhor estabelecer as obrigações de confidencialidade impostas às partes, mas também aos demais atores do procedimento, como árbitros, peritos técnicos, testemunhas e funcionários da instituição arbitral.

Havendo justificado temor ou iminência da violação do sigilo do procedimento, a parte potencialmente lesionada poderá requerer a concessão de medida de urgência ou execução específica para manutenção da confidencialidade e aplicação, por exemplo, de multa em caso de transgressão.

No entanto, ainda que o dever de confidencialidade esteja claramente delineado, evitar a divulgação ilícita de informações relacionadas à arbitragem é, em realidade, impossível.

Os remédios e as sanções correspondentes às violações ao dever de sigilo dependerão dos fatos concretos — quantidade, qualidade e grau de prejuízo da informação revelada, público ao qual foi divulgado, contexto da publicação e intensão da parte violadora — e poderão ser aplicados pelo próprio tribunal arbitral ou pelo Poder Judiciário. Com efeito, árbitros e juízes poderão aplicar medidas punitivas e condenar a parte transgressora na reparação e indenização dos danos causados à outra parte. Em muitos casos, a violação do dever de confidencialidade na arbitragem é compreendida como um descumprimento contratual, sendo aplicados os mesmos remédios legais e contratuais. Punições processuais e mesmo a anulação da sentença arbitral permanecem não usuais e polêmicas, mas já foram empregadas por cortes e tribunais arbitrais estrangeiros.

O tratamento da confidencialidade na arbitragem é tema que está em pleno desenvolvimento e sobre o qual ainda pairam muitas incertezas. Por isso, a antecipação dos possíveis problemas relacionados à quebra de confidencialidade e a sua regulamentação tornam-se relevantes já antes mesmo de surgido o litígio e instaurado o procedimento arbitral.