Arbitragem no direito da concorrência: Cade tem incluído previsão do procedimento nos acordos em controle de concentração

Maria Cibele Crepaldi Affonso dos Santos

O direito da concorrência tem como função principal a promoção da livre concorrência, por meio da prevenção e repressão das infrações contra a ordem econômica. Nesse sentido, a Lei 12.529/11, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência — do qual o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) é parte —, dispõe em seu artigo 1º sobre “a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”.

Os bens jurídicos sob a tutela do direito da concorrência são titulados pela coletividade e não têm natureza patrimonial disponível. Contudo, a aplicação de suas regras pode ter — e comumente tem — reflexos na esfera privada: diz a Lei 12.529/11 que aqueles que se sentirem prejudicados podem ingressar com ação judicial para defender seus interesses individuais, pleiteando a cessação de condutas e o recebimento de indenização por eventuais perdas e danos sofridos.

Nesse contexto, sendo permitida a discussão de questões relacionadas ao direito da concorrência entre partes privadas no âmbito do Poder Judiciário, ela também é possível por meio de arbitragem. Tanto é assim, que o Cade tem incluído nos acordos em controle de concentração (ACCs) a previsão de solução de conflitos por arbitragem entre a parte interessada no ato de concentração e terceiros adquirentes dos seus serviços ou bens.

Veja-se, por exemplo, o caso da combinação da Cetip com a BM&FBovespa, que deu origem à B3. O Cade entendeu que a operação geraria problemas nos mercados de atuação da Cetip e da BM&FBovespa, especialmente nos serviços de central depositária, e negociou com as partes a celebração de um ACC. Por meio dele, as partes garantem permitir que terceiros acessem sua infraestrutura em condições justas, transparentes e não discriminatórias. Na hipótese de a B3 e o terceiro não chegarem a um acordo sobre as condições da prestação do serviço em um prazo de 120 dias, a parte interessada poderá iniciar procedimento arbitral para solucionar a controvérsia, observados os termos previstos no ACC. Essa determinação contida no ACC foi recentemente observada, com o início de procedimento arbitral pela empresa a ATS Brasil contra a B3, sob a alegação de cobrança de preços abusivos para a prestação de serviços que a ATS tenta contratar.

Mais um exemplo da inclusão da arbitragem em ACC ocorreu no ato concentração relativo à fusão da Time Warner com a AT&T. A operação foi autorizada pelo Cade com restrições estabelecidas em ACC. Ficou previsto que disputas relacionadas às condições comerciais de contratação de serviços nos mercados de programação e operação de TV por assinatura deverão ser resolvidas em procedimento arbitral. Merece destaque o fato de as autoridades concorrenciais do México e do Chile também terem aprovado a operação com condições e adotado a arbitragem para a solução de litígios com terceiros relativos às condições comerciais.

Portanto, o recurso à arbitragem para a solução de controvérsias decorrentes de questões atinentes ao direito da concorrência e que envolvam direitos patrimoniais disponíveis das partes é não só possível como se apresenta como tendência. Afinal, a celeridade do procedimento possibilita solução rápida da questão comercial e a confidencialidade evita que assuntos estratégicos e sensíveis às partes se tornem de conhecimento público.