CARF decide favoravelmente sobre redução de capital a valor contábil seguida de alienação pela PF (ao invés de apuração de ganho de capital na PJ)

Richard Edward Dotoli

No Acórdão 1301-002.761 (Caso FMA), publicado no Diário da Oficial da União (DOU) em 14 de março de 2018, a Receita Federal Brasileira (RFB) desconsiderou juridicamente a alienação de participação acionária em pessoa jurídica (PJ2) recebida por pessoas físicas dos sócios (F1) a título de devolução do capital social a valor contábil e tributou como ganho de capital apurado na operação na pessoa jurídica, anterior detentora da PJ2 (PJ1).

Adicionalmente, com fundamento nos arts. 124, I e 135, III do CTN, a RFB imputou responsabilidade solidária as pessoas físicas dos administradores/diretores da PJ1 e a todos os membros da família que detinham o controle acionário daquela entidade, à época dos fatos (2010).

A estruturação dos fatos pode ser compreendida da seguinte maneira:

A infração fiscal foi apurada a partir da constatação de que as ações da PJ2, antes pertencentes à PJ1 (cf. (1)), teriam sido transferidas a F1, detentor da totalidade do capital da PJ1, sob a justificativa de redução do capital (cf. (2)) para, logo em seguida (49 dias depois), F1 alienar PJ2 à T (cf. (3)). Segundo a RFB, essa operação não teria outra finalidade senão de reduzir a carga fiscal sobre o ganho de capital decorrente da alienação das ações da PJ2 de uma pessoa jurídica (PJ1) à alíquota de 34% à pessoas físicas (F1) à a alíquota de 15%.

Para a RFB, o planejamento tributário teria sido abusivo, na medida em que a redução de capital da PJ1 por F1 buscou transferir, sem razões negociais e “de maneira ilícita”, o ônus fiscal sobre o ganho de capital da alienação da PJ2 à F1 (pessoa física), uma vez que a alienação poderia sido realizada diretamente pela PJ1, “porquanto a alíquota aplicável sobre o ganho de capital auferido por pessoas físicas é sobremaneira menor que aquela aplicável sobre o ganho de capital das pessoas jurídicas.”

Relevante enfatizar que um dos motivos levados em consideração pela RFB para a alegada falta de propósito negocial foi o fato de que as tratativas para a compra e venda da PJ2 pela T foram iniciadas muito antes da efetiva transferência das ações, até então pertencentes à PJ1, para F1.

Primeiramente, o CARF ponderou acerca da legalidade da redução do capital social pelo valor contábil (não apuração de ganho tributável), em conformidade com a faculdade prevista no art. 22 da Lei n. 9.249/95 que possibilita que as pessoas jurídicas entreguem bens e direitos do seu ativo, a título de devolução de sua participação no capital social, seja a valor contábil ou de mercado. Os termos do art. 22 estão assim redigidos na Lei n. 9.249/95:

Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista. a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

Nesse aspecto, o CARF considerou que a redução do capital social da PJ1 por F1 (que gerou a entrega de PJ2 diretamente à F1) teria ocorrido dentro dos ditames legais, por deliberação da Assembleia Geral “não havendo nos autos demonstração (prova) de ter ocorrido qualquer pacto simulatório ou prejuízos a credores.”

Em sentido favorável ao contribuinte autuado (PJ1), o CARF também refutou o argumento da RFB de que as tratativas para a alienação da PJ2 teriam sido iniciadas anteriormente à realização da operação societária, em virtude de ausência de evidências nos autos, os quais, ao contrário, demonstraram que as pessoas físicas eram as reais alienantes. Para o CARF, a operação tratava-se de mera elisão fiscal, que consiste no direito de o contribuinte organizar os seus negócios com objetivo de diminuir sua carga tributária, prática esta que não é defesa em lei.

O CARF, assim como em outros precedentes, empregou o conceito de propósito negocial utilizado na doutrina estrangeira, para caracterizá-lo quando há a adoção de determinado ato ou negócio jurídico que se mostra inconsistente e antagônico com o comportamento das partes. Em razão de não ter sido encontrado um vício grave (i. e. simulação) que comprometesse a veracidade da operação societária praticada, não haveria que se falar em ausência de “motivo extratributário”. Por essas razões, também afastou a multa qualificada de 150% imputada à PJ1 pela RFB sob alegada simulação.

Por fim, o CARF também afastou a responsabilidade solidária das pessoas físicas administradoras e dos membros da família detentores do controle acionário da PJ1, sob o argumento de que não se demonstrou que os administradores praticaram atos fraudulentos/simulados, utilizando-se de meios ilícitos para economia fiscal, nem que os controladores teriam o interesse comum (art. 124, I do CTN) com a redução da carga tributária resultante da alienação da PJ2 (i. e. redução de 34% devido por pessoa jurídica para 15% devido por pessoas físicas em relação ao ganho de capital apurado).

Vale lembrar que, conforme amplamente noticiado na mídia, em outra decisão sobre esse tema tratando de autuação envolvendo o empresário Eike Batista e sua empresa MMX em sessão do dia 06/03/2018, o CARF – por voto de qualidade – não conheceu parte do recurso voluntário e, por maioria, o colegiado manteve a multa de ofício e a multa isolada. O referido acórdão ainda não foi formalizado.