Convênio ICMS n. 106/17 e Decreto n. 63.099/17: incidência e cobrança do ICMS sobre bens e mercadorias digitais pelo Estado de São Paulo

Richard Edward Dotoli

Publicado em dezembro o Decreto n. 63.099, que incorporou ao RICMS/SP o Convênio ICMS nº 106/17 que, por seu turno, introduziu a cobrança do ICMS sobre operações relativas a bens e mercadorias digitais.

Para fins da legislação estadual do ICMS de São Paulo, o art. 1º do Decreto n. 63.099/17, incluiu os seguintes dispositivos legais no RICMS/SP:

• inciso IV ao artigo 16 do RICMS/SP que passou a ter a seguinte redação:
“Artigo 16 – Considera-se, também, estabelecimento autônomo (…):
IV – o site ou a plataforma eletrônica que realize a venda ou a disponibilização, ainda que por intermédio de pagamento periódico, de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados (Lei n. 6.374/89, artigo 12)” (g. n.)

• inciso XV-A ao artigo 19 do RICMS/SP que passou a ter seguinte redação:
Artigo 19 – Desde que pretendam praticar com habitualidade operações relativas à circulação de mercadoria ou prestações de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação, deverão inscrever-se no Cadastro de Contribuintes do ICMS, antes do início de suas atividades:
(…)
XV-A – o detentor de site ou a plataforma eletrônica que realize a venda, a disponibilização, a oferta ou a entrega de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados, ainda que por intermédio de pagamento periódico e mesmo que em razão de contrato firmado com o comercializador (Lei 6.374/89, artigo 16).” (g. n.)

• inciso VI ao artigo 23 do RICMS/SP que passou a ter seguinte redação:
Artigo 23 – Salvo exigência da Secretaria da Fazenda, ficam dispensados da inscrição:
(…)
VI – o detentor de site ou a plataforma eletrônica que realize exclusivamente operações com mercadorias digitais isentas ou não tributadas (Lei 6.374/89, artigo 16)”

• Capítulo XV, composto pelos artigos 478-A e 478-B ao Título I do Livro III do RICMS/SP:

Livro III. Das diversas atividades e dos regimes especiais
Título I. Do procedimento aplicável a diversas atividades
Capítulo XV. Das operações com bens e mercadorias digitais

Artigo 478-ATratando-se de saídas com bens ou mercadorias digitais realizadas pelo estabelecimento a que se refere o inciso IV do artigo 16 deste Regulamento, por meio de transferência eletrônica de dados, destinadas a consumidor final, o imposto deverá ser recolhido, quando da referida transferência, a favor da unidade federada onde estiver domiciliado ou estabelecido o adquirente, na forma e condições estabelecidas pela Secretaria da Fazenda (Lei 6.374/89, artigos 1º, 2º e 23).

Artigo 478-BA Secretaria da Fazenda poderá estabelecer procedimento simplificado para a inscrição dos estabelecimentos que comercializem exclusivamente mercadorias digitais, assim como poderá conceder regimes especiais com o objetivo de facilitar ao contribuinte o cumprimento das obrigações fiscais, tais como a emissão de documentos e a escrituração de livros fiscais (Lei 6.374/89, artigo 71).

• art. 172 ao Anexo I do Livro VI:
Livro VI – Dos anexos
Anexo I – Isenções
“Artigo 172 – (BENS E MERCADORIAS DIGITAIS) – Operações com bens e mercadorias digitais, comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados, anteriores à saída destinada ao consumidor final (Convênio ICMS 106/17)
Parágrafo único – O disposto neste artigo vigorará enquanto vigorar o Convênio ICMS 106, de 29 de setembro de 2017.”

Diante desse novo cenário normativo, diversas considerações tornam-se necessárias.

Primeiramente, é importante notar que o RICMS/SP não disciplinou a definição de “bens e mercadorias digitais”. Apenas o Convênio n. 106/17 exemplificou os casos de software, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, desde que estes últimos sejam: (1) padronizados – ainda que tenham sido adaptados; e (2) comercializados por meio de transferência eletrônica de dados.

Em outras palavras, da leitura de sua atual redação, a incidência do ICMS/SP sobre bens e mercadorias digitais tem um escopo demasiadamente abrangente, o que pode representar a grande maioria das operações comerciais desenvolvidas no ambiente digital.

A partir de 1º de abril de 2018 (conforme art. 3º do Decreto n. 69.033/17), o detentor de site ou de plataforma eletrônica que realize, com habitualidade, venda, disponibilização, oferta ou entrega de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados, deverá se inscrever no Cadastro de Contribuintes do ICMS, sendo que aquele site/plataforma eletrônica será considerado um estabelecimento autônomo, para todos os efeitos legais.

O ICMS será diferido para o momento em que ocorrer a transferência eletrônica de dados ao consumidor final, momento no qual o imposto deverá ser recolhido em favor da unidade federada a qual o adquirente estiver domiciliado ou estabelecido, nos termos do art. 478-A do RICMS/SP. As operações com bens e mercadorias digitais anteriores à saída destinada ao consumidor final estão isentas do ICMS em SP, nos termos do art. 172 do Anexo I, do RICMS/SP.

Caso o detentor do site ou plataforma eletrônica (i. e. estabelecimento autônomo) comercializar, por meio de transferência eletrônicas de dados, diretamente ao consumidor final, bem ou mercadoria digital ele estará desobrigado da inscrição estadual, por tal operação ser isenta, nos termos do art. 172 do Anexo I c/c inciso VI do art. 23, ambos do RICMS/SP.

Vê-se, portanto, que no que tange a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS na legislação estadual paulista, o Estado de São Paulo resolveu adotar a orientação disposta no inciso III da Cláusula Quinta do Convênio ICMS nº 106/17, a seguir transcrito:

“Cláusula quinta. Nas operações de que trata este convênio, as unidades federadas poderão atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do imposto:
(…)
III – ao adquirente do bem ou mercadoria digital, na hipótese de o contribuinte ou os responsáveis descritos nos incisos anteriores não serem inscritos na unidade federada de que trata a cláusula quarta;”

Da atual redação do RICMS/SP, diversas dúvidas podem ser suscitadas, dentre as quais destacam-se as seguintes: (i) qual seria o elementosec para se caracterizar um bem ou mercadoria como digital e suscetível de tributação pelo ICMS/SP?; (ii) qual a definição de transferência eletrônica de dados e qual seria o momento próprio para se concluir sua ocorrência naquele Estado?; (iii) qual o escopo de definição de “operações anteriores às saídas destinadas ao consumidor final”?; entre outras.

Até o momento, não há orientação ou regulamentação específica sobre o tema “bens e mercadorias digitais” por parte da SEFAZ-SP (Secretaria da Fazenda de São Paulo), o que impede maiores esclarecimentos por parte desse novo contribuinte.

Por fim, é importante mencionar que desde a edição da Lei Complementar n. 157/16, os Fiscos Municipais já exercem competência para tributar operações em ambiente virtual/meio digital, tais como aquelas descrias no item 1.05 (“Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres”).

Diante do conflito de competência entre Estados e Municípios, gerado em razão da materialidade do ICMS e do ISS para fins de tributação de operações digitais/virtuais e novas tecnologias, a guerra fiscal será ainda mais acirrada, passando a envolver não apenas a disputa entre Estados entre si, os Municípios entre si, mas também, entre Estados e Municípios, para fins arrecadatórios, e não mais de atração e instauração de investimentos/contribuintes desse ramo, como ocorria anteriormente.

Acreditamos que, até o presente momento, a tributação estadual sobre o ambiente digital ainda é obscura e dúbia em diversos aspectos, havendo pontos de conflito claros com a tributação municipal de operações digitais/virtuais.

Sendo assim, inúmeros questionamentos jurídicos podem e devem ser suscitados pelos contribuintes, desde aqueles no formato de consultas fiscais perante a SEFAZ e Prefeituras, até o ingresso de medidas judiciais preventivas a fim de evitar uma pluritributação de ICMS e ISS por dois ou mais entes Federativos, simultaneamente.