Direito de família: arbitragem pode ter papel relevante nas questões sucessórias e de família

Maria Cibele Crepaldi Affonso dos Santos
Vamilson José Costa

A legislação brasileira — mais especificamente o artigo 852 do Código Civil — afasta o compromisso como forma de resolução de litígios quando estão envolvidas questões de direito pessoal de família que não tenham caráter estritamente patrimonial. Ocorre que essa limitação, por si só, não é mais capaz de afastar completamente o instituto da arbitragem, que continua a se expandir em todas as áreas do direito, inclusive a do direito de família e sucessões.

A arbitragem, em qualquer área, deverá versar sobre bens e direitos disponíveis —ou seja, sobre os quais seu titular tenha plena capacidade de disposição, tanto sob o aspecto subjetivo quanto sob o aspecto objetivo. Além desses requisitos, há a necessidade de manifesta vontade das partes em solucionar seus conflitos por esse meio. Por consequência, litígios envolvendo, por exemplo, herdeiro incapaz ou disposição de direitos referentes a alimentos não podem ser discutidos em procedimento arbitral.

Mesmo que seja necessária cautela quanto à matéria discutida, inegável reconhecer a ampla gama de situações amparadas pela arbitragem. Entre elas estão a revisão de partilha de bens em separação judicial, o julgamento de partilha de bens decorrente de dissolução de união estável, as discussões acerca de herança que não constitua legítima e o contrato de doação de cotas. Inclui-se também a utilização da arbitragem para apuração de haveres em ação judicial de dissolução parcial de sociedade após o falecimento de sócio.

A vantagem do uso do procedimento arbitral quanto à celeridade de conclusão do litígio e à confidencialidade do procedimento representa grande diferencial nos litígios instalados na área do direito de família e sucessões. Isso porque as discussões tendem a ser sobre matérias íntimas e presentes no dia a dia dos envolvidos, o que provoca intenso desgaste emocional quando divulgadas indiscriminadamente ou prolongadas. Há que se considerar também a possibilidade de haver perdas patrimoniais, decorrentes de eventual indisponibilidade dos bens enquanto perdurar o litígio no Judiciário, ou ainda no caso de depreciação do valor dos bens no tempo.

Aspecto igualmente interessante é a possibilidade de se optar pela arbitragem tratando de direitos disponíveis, em paralelo a uma discussão judicial que trata de direitos indisponíveis. Parece salutar a possibilidade de se discutir em procedimento arbitral sobre bens e direitos disponíveis de herdeiros capazes, de maneira apartada da discussão necessariamente judicial sobre legítima ou sobre cota parte pertencente a incapaz, quando pendente de resolução a partilha judicial. Esse procedimento pode contribuir para sanar litígios menores que exigem urgência, seja por interesse pessoal de um envolvido ou pelo seu valor econômico.

Outro ponto que merece destaque é a hipótese de que uma pessoa, em vida, venha determinar que após seu falecimento as discussões relativas ao seu inventário sejam solucionadas por meio de arbitragem. Não há unanimidade na doutrina quanto à matéria: há corrente doutrinária que entende ser obrigatório acatar a manifestação de última vontade e existe outra que entende o contrário, advogando que os herdeiros têm o direito de optar pelo Judiciário ou pela arbitragem.

A jurisprudência de nossos tribunais ainda está em pleno desenvolvimento quanto às matérias que possam ser submetidas à arbitragem, mas tende a expandir seu entendimento de forma permissiva. Nesse sentido, é recomendável às partes que pretendem usar a arbitragem em assuntos de família e sucessões em eventual litígio futuro que façam constar desde já as cláusulas compromissórias de arbitragem em acordos de regime de bens, acordos pré-nupciais ou mesmo em testamentos, registrando desde logo a tão necessária manifestação de vontade.