Lei federal permite bloqueio de bens do contribuinte sem decisão judicial

Richard Edward Dotoli

A Lei 13.606/2018 trouxe, dentre outros temas, a permissão para que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) bloqueie os bens dos contribuintes, sem que ocorra prévia ordem judicial para tanto. A polêmica medida encontra-se em seu art. 25 abaixo transcrito:

“Art. 25. A Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-B, 20-C, 20-D e 20-E:

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados
(…)
§ 3º Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:
I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e
II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis. (g. n.)

O citado dispositivo legal confere poderes à PGFN que, na pratica, atuem substituindo os juízes e, por meio de sistemas eletrônicos (BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD), penhorem bens dos contribuintes, tornando-os indisponíveis, sem qualquer decisão judicial prévia assim autorizando tal medida (extrema).

Em uma primeira leitura, poder-se-ia argumentar que o dispositivo legal trataria de situação e casos de fraude à execução, regulada no art. 185, caput, do Código Tributário Nacional (CTN). Ocorre que o parágrafo único do art. 185 do CTN estabelece que o caput não se aplica se o devedor tiver reservado bens ou renda suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.

A leitura mais adequada do art. 25 da Lei 13.606/2018 leva a crer que sua aplicação viola diversos princípios constitucionais, como o do devido processo legal, previsto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal (CF), que prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e do direito ao contraditório e ampla defesa (inciso LV da CF). O direito de o contribuinte ser submetido ao devido processo legal com relação a penhora online está previsto no art. 185-A e §único do CTN, in verbis:
“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)
§ 1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)”
Vale ainda mencionar os problemas que poderão advir dos efeitos práticos do dispositivo no âmbito de sua aplicação pela PGFN, uma vez que, no âmbito judicial, é garantido ao executado “(…) levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite (…)” (art. 185-A § 1º do CTN), contudo, não há garantia semelhante dada ao contribuinte no âmbito da Lei n. 13.606/2018.

Ademais, há clara violação do direito à propriedade do contribuinte conforme o caput do art. 5º, caput, da CF, que dispõe ser inviolável a propriedade de residentes no País, sem a observância do devido processo legal e contraditório e ampla defesa.

Constata-se também a violação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, inscritos no inciso V, do art. 5º, da CF que asseguram o direito de resposta, de forma proporcional e razoável à tal medida.

Adicionalmente, vale ressaltar que o Fisco não pode impor sanções políticas coercitivas para garantia do crédito tributário em um momento prematuro, no qual não se sabe se o tributo é ou não devido, por meio de bloqueios ilegais e inconstitucionais, sem haver comprovação, pelo Poder Judiciário, trata-se de fraude à execução.

Nesse sentido, as Súmulas do STF nº 70 e 547 deixam claro a proibição de medidas políticas para forçar o contribuinte a quitar o débito tributário, conforme transcritas:

“Súmula 70
É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”

“Súmula 547
Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”

Por fim, sob uma perspectiva jurídico-formal, as garantias e privilégios do credito tributário são normas gerais tributárias que, conforme o art. 146 da CF, devem ser instituídos por Lei Complementar, e não Lei Ordinária, tal como se procedeu com a Lei nº 13.606/2018.