Royalties: incidência da CIDE sobre licença de uso de software sem transferência de tecnologia nos anos 2002 e 2003

Richard Edward Dotoli

No recente Acórdão n. 9303-005.497, proferido pela CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais), o órgão julgador da última instância da esfera administrativa entendeu ser devida a CIDE-Royalties (caput do art. 2º da Lei n. 10.168/00) sobre remessas feitas ao exterior a título de licença de uso de software e aquisição de cópia única, sem transferência de tecnologia, correspondente ao período de 14/01/2002 e 31/10/2003.

A discussão administrativa pautou-se sobre a interpretação e aplicação do art. 20 da Lei n. 11.452, de 27 de fevereiro de 2007, i. e., mais especificamente se tal dispositivo alcançaria fatos geradores da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) pretéritos a sua vigência. O referido dispositivo incluiu o § 1o-A ao art. 2º da Lei n. 10.168/00 que passou a ter a seguinte redação:

Art. 20. O art. 2º da Lei n. 10.168, de 29 de dezembro de 2000, alterado pela Lei n. 10.332, de 19 de dezembro de 2001, passa a vigorar acrescido do seguinte § 1º-A:
Art. 2º Para fins de atendimento ao Programa de que trata o artigo anterior, fica instituída contribuição de intervenção no domínio econômico, devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior.
(…)
§ 1o-A. A contribuição de que trata este artigo não incide sobre a remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia. (Incluído pela Lei nº 11.452, de 2007)” (g. n.)

Os conselheiros do CARF, por maioria, deram provimento ao REsp (Recuso Especial) do Procurador da Fazenda Nacional sob o argumento de que, à época dos fatos (i. e. anos 2002 e 2003), a incidência da CIDE-Royalties sobre o pagamento por licença de uso de software não estava vinculada à necessidade de haver transferência de tecnologia. Somente a partir de 2007, com a inclusão do parágrafo 1º-A ao art. 20 da Lei n. 10.168/00, veiculado pela Lei n. 11.452/2007, o escopo de incidência da CIDE passou a ser restringido somente às hipóteses que envolvessem licença de uso ou aquisição de software com transferência de tecnologia.

Segundo a maioria dos conselheiros, de acordo com os fatos do caso julgado, a remessa a título de licença de uso de software se caracterizaria como pagamento de royalties e a hipótese de incidência da CIDE, criada pela Lei n. 10.168/00, para os anos de 2002 e 2003, já abarcava os royalties pagos a qualquer título, razão pela qual haveria a incidência sobre as remessas feitas pelo contribuinte, mesmo sem transferência de tecnologia.

A despeito do cenário na CSFR sobre o tema ser desfavorável ao contribuinte, a declaração de voto vencido da conselheira Tatiana Midori, ressaltou questões que valem destaque sob a perspectiva da interpretação sistemática da Lei n. 10.168/00 com a Lei n. 11.452/07.

Para a conselheira, o parágrafo 1º-A do art. 20 da Lei n. 11.452/07, não instituiu uma norma de isenção (que não retroagiria aos anos de 2002 e 2003), mas sim, “reconheceu/esclareceu uma hipótese de não incidência tributária, com alcance, por conseguinte, a fatos geradores ocorridos anteriormente à sua vigência (…)”. Nesse sentido, o dispositivo legal em questão seria uma norma interpretativa (aplicável aos fatos pretéritos ocorridos em 2002 e 2003 nos termos do inciso I do art. 106 do CTN) da regra matriz de incidência da CIDE (art. 2º da Lei n. 10.168/00) – que já previa em seu caput que esse tributo seria devido somente pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que implicassem transferência de tecnologia.

Os argumentos do voto da Conselheira são encontrados no inciso II do art. 111 do CTN, que prevê que os casos de isenção são interpretados literalmente (i.e., “estritamente”), bem como em seu art. 176 estabelece que a isenção será concedida mediante requisitos e condições a serem observados, elementos estes que não se verificaram na redação do art. 20 da Lei n. 11.452/07, inexistindo condicionante para a referida isenção.

Por fim, a Conselheira menciona o precedente da RFB (Receita Federal Brasileira) veiculado na Solução de Consulta n. 513/2006 (anterior à Lei n. 11.452 de 2007), que concluiu pela não incidência da CIDE sobre as remessas feitas a título de aquisição de software de prateleira, sem licença para reprodução no Brasil, sob fundamento de que não se caracterizaram na hipótese de incidência da referida CIDE.

Inobstante os argumentos mencionados, fato é que existem precedentes no STJ (i. e. REsp n. 1.642.249 e 1.650.115) no sentido de que o fornecimento de cópia de programa (software) seria “fornecimento de tecnologia” (tributável pela CIDE nos termos do art. 2º, § 1º, segunda parte, da Lei n. 10.168⁄00), ainda que não ocorresse a absorção da tecnologia (código-fonte) pelo receptor. Na ementa do REsp n. 1.642.249 de Relatoria do Min. Mauro Campbell Marques restou entendido que:

“9. A isenção para a remessa ao exterior da remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador (software) desacompanhada da “transferência da correspondente tecnologia” (“absorção da tecnologia”) somente adveio a partir de 1º de janeiro de 2006, com o art. 20, da Lei n.11.452⁄2007, ao adicionar o § 1º-A ao art. 2º, da Lei n. 10.168⁄2000.”

Diante dos precedentes contrários existentes no CARF e no STJ, fica prejudicado o entendimento de que o art. 20, da Lei n. 11.452/2007, retroagiria a fatos ocorridos antes de 2006, já que o entendimento majoritário administrativo e judicial é de que trata-se de norma de isenção (não retroativa) e não de uma norma interpretativa da CIDE.

O entendimento jurisprudencial atualmente majoritário nos parece violar princípios constitucionais e o próprio fato gerador da CIDE-royalties, razão pela qual julgamos não ser o mais adequado, juridicamente, para o caso em questão, sendo passível de questionamento judicial futuro, enquanto não houver uniformização de jurisprudência ou súmula vinculante sobre o tema nos tribunais superiores.