Uma empresa, um senhor

ao proteger uma empresa, como obrigada a lei, conselheiro acabará prejudicando a outra

Maria Cibele Crepaldi Affonso dos Santos

O artigo 147 da Lei das S.A.s (parágrafo 3º, inciso II) dispõe não ser possível a eleição de um conselheiro que tiver interesse conflitante com o da sociedade, exceto nos casos em que a assembleia geral de acionistas a dispensar dessa condição. Assim, dispensada tal condição pela assembleia, presume-se a inexistência do conflito.

Os conselheiros da sociedade sujeitam-se, contudo, a regras previstas na lei que definem os seus deveres e as suas responsabilidades. Os deveres são estabelecidos pelo padrão de conduta que eles devem observar na gestão da sociedade. As responsabilidades estão diretamente relacionadas às consequências do descumprimento ou não observância dos deveres com culpa ou dolo; e da violação da lei ou do estatuto social da sociedade.

Nessa linha, o caput do artigo 156 da referida lei dispõe que o conselheiro não poderá “intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores”. O conselheiro deverá, ainda, informá-los do impedimento e consignar em ata a natureza e a extensão dos seus interesses. Ele não está, portanto, obrigado a atuar exclusivamente para uma única sociedade, mas ficará impedido de agir em situações nas quais se verificar conflito de interesse.

Um conselheiro que seja membro do conselho de administração de duas sociedades com intensas relações comerciais e, consequentemente, interesses econômicos conflitantes, certamente deparará com situações de conflito de interesse. Ele poderá não intervir quando essas situações ocorrerem, abstendo-se de participar de reuniões nas quais assuntos referentes às relações entre as empresas sejam discutidos e deliberados.

No entanto, esse conselheiro terá acesso a todas as políticas e estratégias de ambas as sociedades, no que se refere a preços, a marketing e a margens de lucro, entre outros. Saberá, portanto, de que forma cada uma pode e pretende negociar com a outra. Nessa medida, a título de exemplo, as suas decisões com relação à política de preços de uma das sociedades poderão trazer benefício a ela em detrimento da outra.

Ademais, não será possível ao conselheiro cumprir com o seu dever de lealdade, tratado no artigo 155 da Lei das S.A.s, que prevê a obrigação do administrador de servir com lealdade à sociedade, visando apenas os interesses dela. A lei impõe que o conselheiro não utilize em benefício próprio ou de outrem as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em função do seu cargo, ainda que não haja prejuízo à sociedade. Além disso, proíbe que ele deixe de aproveitar oportunidades de negócios de interesse da companhia no intuito de beneficiar a si mesmo ou a outrem. Por fim, a lei veda que o conselheiro se omita no exercício ou na proteção de direitos da sociedade.

Como visto, o conselheiro goza de posição privilegiada no que tange à sociedade, conhecendo as suas metas, as suas necessidades e os seus limites. Ele certamente saberá qual ação beneficiaria uma ou outra sociedade da qual seja administrador e deveria, portanto, exercer o seu dever de lealdade, protegendo os interesses da sociedade. O problema está em que uma das empresas será beneficiada e a outra será prejudicada por aquele que for conselheiro de ambas — e, assim, ele infringirá claramente o dever citado. Uma escolha terá que ser feita, pois, afinal de contas, “ninguém pode servir a dois senhores”.