MP 806/2017 – Nova tributação de fundos de investimento fechados

Richard Edward Dotoli

RESUMO DAS ALTERAÇÕES

No último dia 30 de outubro de 2017 foi publicada a Medida Provisória 806/2017 (“MP 806”) que alterou a tributação do imposto de renda (“IR”) para algumas espécies de fundos de investimento fechados (i.e., aqueles não permitem o resgate de cotas durante o período de duração do fundo), com efeitos a partir de maio/2018.

Os fundos de investimento fechados passarão a ser tributados de forma similar ao que já ocorre com os fundos de investimento abertos, sobretudo no que diz respeito à aplicação do chamado “come-cotas” (incidência semestral do Imposto sobre a Renda na Fonte – “IRRF” sobre o valor patrimonial da cota no último dia útil de maio e de novembro, de cada ano), com algumas particularidades.

Diversamente do regime de “come-quotas” aplicável aos fundos abertos (tributação pelo IRRF na modalidade de antecipação), o novo regramento trazido pela MP prevê essa tributação na modalidade definitiva às alíquotas regressivas (22,5% a 15%), a depender do prazo de aplicação.

Dentre as principais espécies de fundo de investimento afetadas pela referida MP destacam-se, sobretudo:

a) Fundos de investimento em participações (“FIP”);
b) Fundos de investimentos em cotas de fundos de investimentos em participações (“FIC-FIP”),
c) Fundos de investimentos em empresas emergentes (“FIEE”);
d) Fundos de investimentos qualificados como entidades de investimento (“FIEI”) .

A tabela a seguir traz um breve resumo das alterações trazidas pela MP 806, as comparações com o atual regime aplicável aos fundos de investimento fechados, bem como o momento da incidência e a alíquota do IRRF aplicável ao respectivo fundo, com a indicação da respectiva base normativa.

 

EXCEÇÕES ÀS NOVAS REGRAS

Os cotistas dos seguintes fundos de investimento não estão sujeitos ao regime tributário indicado acima:

(i) Fundo de Investimento Imobiliário (“FII”),
(ii) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”) e Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIC-FIDC),
(iii) Fundo de Investimento em Ações (“FIA”) e Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimentos em Ações (“FIC-FIA”);
(iv) Fundos de Investimentos Exclusivos para Não Residentes;
(v) Fundos de Investimento que serão encerrados impreterivelmente até 31/12/2018; e

Por fim, a nova sistemática de tributação instituída pela MP não se aplica aos rendimentos e ganhos auferidos por instituição financeira, inclusive sociedade de seguro, previdência e capitalização, sociedade corretora de títulos, valores mobiliários e câmbio, sociedade distribuidora de títulos e valores mobiliários ou sociedade de arrendamento mercantil.

 

NOVIDADES

Algumas situações podem ser destacadas a título de novidades trazidas pela MP:

1) Conversão em lei do entendimento da RFB sobre a incidência de IRRF na hipótese de reorganizações de fundos de investimento (i.e., cisão, incorporação, fusão), inclusive na transformação de fundos (por ex., fundo aberto em fundo fechado). Isso poderá induzir diversos contribuintes a antecipar potenciais reorganizações) e transformações de fundos de investimento ainda este ano (até 31.12.2017), caso a MP seja convertida em lei até a referida data.

2) Novo regime de tributação aplicáveis ao FIP “entidades de investimento”, que passa a ser tributado pelo IRRF, à alíquota de 15%, não obstante ter havido qualquer distribuição de valores aos cotistas, a partir da data em que, cumulativamente, os valores distribuídos, ou considerados como distribuídos, passem a superar o capital total integralizado pelos cotistas.

3) O FIP “não-entidades de investimento” – também denominados “fundos patrimoniais”, passam a ser tributados como pessoa jurídica (i.e., sujeitos a IRPJ, CSLL e PIS/COFINS, se aplicável), a partir de 2 de agosto de 2018.

 

POTENCIAIS QUESTIONAMENTOS JUDICIAIS

1. Necessidade de conversão em lei e publicação até 31/12/2017
Independentemente do art. 12 da MP prever sua produção de efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018, para que isso efetivamente ocorra, em respeito art. 62 da Constituição Federal de 1988 a MP 806 precisa ser convertida em lei e publicada até 31/12/2017.

Se a MP somente for convertida em lei em 2018, ou se for convertida em lei em 2017, mas sua publicação ocorrer a partir de 1º de janeiro de 2018, consequentemente, só produzirá seus efeitos no exercício seguinte ao de sua publicação, isto é, 2019.

Recentemente, essa mesma circunstância ocorreu quando da instituição de alíquotas progressivas para o ganho de capital, em 2015, com a MP nº 692, que apenas entrou em vigor em 2017.

2. Inconstitucionalidade e Ilegalidade da Tributação Definitiva do “come-cotas”

Importante mencionar ainda que o regime de tributação definitiva do “come-cotas” cria uma ficção jurídica de disponibilização de renda, na medida em a renda ou rendimentos decorrentes da valorização financeira das cotas do fundo de investimento (tais quais FIP, FIC-FIP, FIEE, FIEI) serão fictamente (“considerados”) disponibilizados no final de maio e novembro de cada ano, com a consequente incidência do IRRF às alíquotas regressivas de 15% ou 20%.

Sendo assim, entendemos que a tributação pelo regime de “come-cotas” aplicável aos fundos acima listados, viola o aspecto material de incidência do imposto de renda previsto no art. 153, inciso I, da Constituição Federal e o conceito de disponibilização jurídica ou econômica da renda veiculado no art. 43 do Código Tributário Nacional, uma vez que não se tributa efetivamente um acréscimo patrimonial, mas tão somente uma expectativa de renda (“renda ficta”) que não foi realizada pelo cotista.

3. Tributação da Valorização Acumulada da Cota

Segundo o art. 3º, § 1º da MP, o IRRF calculado em 31 de maio de 2018 (“disponibilização ficta”) será aplicável sobre a seguinte base de cálculo: diferença positiva entre o (i) valor patrimonial acumulado da cota até tal data, incluídos os rendimentos apropriados a cada cotista, e (ii) o correspondente custo de aquisição, ajustado pelas amortizações ocorridas.

Esse dispositivo viola princípios constitucionais, tais como o da irretroatividade da lei (art. 5º, XXXVI, CF) e o da anterioridade (art. 150, III, b, CF) ao criar uma nova incidência em 31 de maio de 2018 (1º come-cotas) a título definitivo com base em rendimentos auferidos, mas não realizados anteriormente à edição da MP.

Antes da edição da MP, o acréscimo patrimonial dos referidos fundos de investimento era realizado no momento da alienação, resgate ou amortização das cotas, então, fato gerador do imposto sobre a renda se materializava nesses momentos. Logo, não pode a legislação posterior atingi-los sem ofensa ao princípio da anterioridade.

Vale lembrar que o STF já se manifestou sobre a modificação do aspecto temporal da regra matriz de incidência (momento da ocorrência do fato gerador) significar instituição ou majoração de tributo, porque, no caso, há instituição de tributo em relação à valorização das cotas até 31/12/2017 e ainda não amortizadas, alienadas ou resgatadas, pontuando inclusive que deve ser observada a legislação do tributo vigente à época (da valorização).

4. Tratamento Desigual entre os Diversos Fundos

Outro ponto contestável – sob a perspectiva constitucional – se refere a exclusão de alguns fundos de investimentos fechados que não foram objeto do referido regramento da MP. Apenas a título de informação, seriam eles: FII, FIDC, FIC-FIDC, FIC-FIA, fundos que serão encerrados impreterivelmente até 31 de dezembro de 2018, FIP classificados como entidades de investimento, FIP não classificados como entidades de investimento e fundos exclusivos de não residentes.

A exclusão dos fundos fechados listados acima do escopo da tributação definitiva pelo regime do “come-cotas”, violaria o princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da CF), uma vez que dá o tratamento tributário diferenciado aos diversos tipos de fundo de investimento fechado, sem que haja um critério discriminatório razoável para tanto. Isso poderia servir de argumento jurídico para os cotistas de fundos de investimento fechados afetados pela nova regra de come-cotas pleitearem, também, a não-aplicação dessa norma em razão do tratamento anti-isonômico.

Ademais, a equiparação de alguns fundos fechados a fundos abertos para majorar carga tributária instituindo tributação definitiva poderia ser considerado como emprego da analogia, resultando na exigência de tributo não previsto em lei caso seja estendido o regime de come-cotas para outros tipos de tipos que não aqueles expressamente listados no texto da lei convertida.

5. Discricionariedade nos critérios para qualificar fundo patrimonial e fundo de investimento coletivo

Os critérios adotados para diferenciar um fundo patrimonial (não-entidade de investimento) de um fundo de investimento coletivo dispõe que, são qualificados como entidades de investimento os FIPs que, dentre outras características, atribuam o desenvolvimento e gestão da carteira a um gestor qualificado, que deve ter plena discricionariedade na representação e tomada de decisão junto às entidades investidas, visando à obtenção de retorno principalmente por meio do desinvestimento dos ativos detidos pelo fundo, que, regra geral, devem ser avaliados com base no valor justo.

Assim, os FIPs não-entidades de investimento são definidos negativamente, ou seja, aqueles que não se adequarem à definição supra.

Em razão do elevado grau de subjetividade que orienta a qualificação de um FIP como um ou outro tipo, pode trazer incertezas sobre o tratamento fiscal aplicável no caso prático. Nesse ponto, a vedação à analogia para criação ou majoração de tributo, prevista no art. 108, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional pode ser invocada pelos cotistas que se sentirem prejudicados (i.e., sujeitos a tratamento fiscalmente mais oneroso).

6. Não-aplicação da isenção de dividendos às distribuições feitas por fundos patrimoniais

O art. 8º da MP dispôs que os fundos de investimento em participação não qualificados como entidade de investimento segundo as regras da CVM (“fundo patrimonial”) se sujeitarão à tributação aplicável às pessoas jurídicas (IRPJ, CSLL e, se aplicável, PIS/COFINS).

Logo, se o fundo patrimonial passa a ser equiparado a pessoa jurídica, após tributar seus resultados, deveria poder distribuir os lucros como “dividendos” e, portanto, isentos do IRRF na distribuição e do IRPF ou IRPJ no recebimento pelo cotista, em situação equivalente ao que ocorre hoje com pessoas jurídicas, conforme o art. 10 da Lei 9.249/95. Apesar deste ponto não estar claro na redação da MP, se assim não fosse, tal dispositivo estaria violando a legalidade do referido dispositivo, além de diplomas constitucionais (Art. 150, II, da CF).

7. Recolhimento do come-cotas em caso de iliquidez do fundo de investimento

Em casos em que os fundos de investimento possuam ativos ilíquidos sujeitos à regra do come-cotas é possível que o administrador do fundo não tenha recursos financeiros suficientes para recolher o IRRF ao final de maio e novembro de cada ano. Assim, por se tratar de tributação definitiva, a nova regra estabelece a responsabilidade do administrador de recolher o tributo em substituição ao investidor, o que violaria o art. 145, parágrafo 1º da CF, notadamente, o princípio da Capacidade Contributiva do sujeito passivo. Ao exigir o desembolso financeiro do responsável tributário do IRRF e, na prática, forçando a alienação do ativo objeto do investimento para quitação de obrigação tributária de terceiro, a MP estaria também violando aspectos fundamentais do Imposto sobre a Renda, tais como pessoalidade e progressividade (art. 153, parágrafo 2º, I da CF).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vale lembrar que a conversão da MP em lei pode ser feita com alteração do texto originalmente veiculado na MP e, portanto, as potenciais discussões envolvendo inconstitucionalidade e ilegalidade podem ser alteradas ou suprimidas, a depender do texto legal efetivamente publicado no Diário Oficial da União. Ademais, em qualquer caso, caberá ao Poder Judiciário apreciar potenciais discussões envolvendo inconstitucionalidade e ilegalidade, não sendo possível antever o entendimento judicial para cada exemplo aqui descrito, exemplificativamente.