Conflitos Societários

cada vez mais empresas preveem arbitragem nos estatutos

Maria Cibele Crepaldi Affonso dos Santos
Vamilson José Costa

As especificidades dos conflitos societários encontram na arbitragem um instrumento apto para sanar as mais diversas situações de forma ágil e discreta e também mais eficiente do que o Judiciário — considerando-se a provável especialização dos árbitros em relação às matérias em disputa. É por essas razões que tem aumentado a quantidade de instrumentos societários originários e contratos derivados (como acordos de cotistas ou acionistas e contratos de investimento) que preveem cláusulas compromissórias para resolução de litígios internos à sociedade.

Embora até 2001 não houvesse previsão legislativa expressa — lacuna preenchida pelo acréscimo do §3º do artigo 109 da Lei das Sociedades por Ações —, a inserção de cláusula compromissória no estatuto social já é prática tradicional e consolidada no mercado brasileiro, e sua expansão tende a prosseguir. Provas do sucesso do uso da arbitragem na resolução de litígios societários são os requerimentos de governança coorporativa da B3: para entrarem no Nível 2 ou no Novo Mercado as empresas devem aderir à Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM).

Durante muito tempo, porém, persistiram algumas incertezas quanto ao alcance e a eficácia das cláusulas compromissórias inseridas em contratos sociais e estatutos sociais. Dada sua natureza mista — contratual e jurisdicional —, a submissão à arbitragem depende, incontestavelmente, da manifestação de vontade das partes; foi por isso que pairaram dúvidas em torno da aceitação compulsória de cláusula compromissória diante da ausência de consenso entre todos os acionistas.

Recentemente, a Lei 13.129/15, que reformou a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), acrescentou o artigo 136-A à Lei das Sociedades por Ações e subjugou grande parte da insegurança que ainda havia quanto aos efeitos da convenção arbitral em um instrumento societário. A nova regra estabelece quórum especial para a inclusão de cláusula compromissória e, tratando-se de companhia fechada, garante o direito de retirada, mediante reembolso do valor das ações, daqueles acionistas que discordem da deliberação assemblear.

Outra inovação salutar diz respeito à eficácia da convenção arbitral, que deverá aguardar o decurso do prazo de 30 dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou. Evita-se, com isso, a retroatividade da cláusula e também surpresas quanto à sua aplicação a um litígio já nascente.

Assim, a cláusula compromissória incluída no estatuto social vinculará a sociedade e todos os seus acionistas, aplicando-se à resolução dos conflitos sobre direitos patrimoniais disponíveis que sejam oriundos ou relacionados a todo e qualquer relacionamento das partes signatárias a propósito da sociedade. Como não apenas as cláusulas específicas do estatuto social estarão, regra geral, abarcadas pela arbitragem, é importante que os demais instrumentos societários prevejam, de modo uniforme, como se dará a resolução de conflitos — a fim de se evitar entraves e discussões suplementares prévias à instauração do procedimento arbitral.

Apesar de enfrentar cada vez menos resistência da doutrina, a vinculação de administradores que não compõem o quadro de acionistas da sociedade ainda é capaz de gerar algumas dificuldades práticas. Por precaução, recomenda-se que o termo de posse do administrador faça referência expressa à sua anuência a todos os termos do estatuto social, e em especial sua concordância com a aplicação da cláusula compromissória nele contida aos litígios porventura decorrentes dessa relação.