Da ampliação das hipóteses de interposição de agravo de instrumento previstas no artigo 1.015, do CPC

Carlos Eduardo Rodrigues Baladi Martins

Este artigo tratará das hipóteses de interposição de agravo de instrumento fixadas no artigo 1.015, do Código de Processo Civil (CPC). Para isso, será apresentada a evolução história do agravo de instrumento desde seu surgimento até o modelo vigente no atual Código de Processo Civil, passando pelos diplomas de 1939 e 1973.

Introdução

O presente trabalho tem a finalidade de discutir a conveniência de se ampliar as hipóteses de interposição do agravo de instrumento previstas no artigo 1.015, do Código de Processo Civil.

Não há dúvidas de que o atual Código de Processo Civil foi elaborado com a intenção de modernizar o processo civil brasileiro e, de forma prática, diminuir o ajuizamento de demandas através de medidas conciliatórias, bem como reduzir o tempo de processamento das ações judiciais.

Contudo, tal pretensão não pode ser impeditivo de se discutir imediatamente diversas modalidades de decisões proferidas em primeiro grau. Ao criar o rol previsto no artigo 1.015, do Código de Processo Civil, o legislador acabou por criar duas categorias de decisões. Segundo Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, “a classificação dos pronunciamentos do juiz é importante para a definição do recurso cabível. O CPC-15 inaugura uma classificação importante, até então irrelevante no sistema do CPC-73: há, de um lado, as interlocutórias agraváveis e, de outro lado, as não agraváveis.”(1)

Em outras palavras, o legislador criou duas categorias de decisões interlocutórias. Uma, mais lesiva à parte, passível de imediata reanálise através de agravo de instrumento. E outra, abstratamente não tão prejudicial, que poderia ser rediscutida quando do julgamento de eventual apelação ou contrarrazões, já que o legislador consignou no artigo 1.099, § 1º, do Código de Processo Civil, a inexistência de preclusão para tais matérias quando alegadas em preliminar de apelação ou em suas contrarrazões.

Na prática, o rol fixado no artigo 1.015, do CPC, foi recebido como taxativo pelo Poder Judiciário, causando prejuízo a parte afetada por decisões que extrapolam tais hipóteses. 

Um exemplo de matéria não incluída no artigo 1.015, do CPC, versa a competência para processamento e julgamento da demanda. Não faz sentido aguardar-se o julgamento da apelação para, eventualmente, reconhecer-se que o juízo originário, que processou a causa, não seria o competente para fazê-lo. E a consequência de tal reconhecimento tardio é a anulação de todo o processo para que seja remetido ao juízo competente.

Parece não haver dúvidas de que a ausência de previsão legal, nesse caso, traz mais prejuízos do que benefícios para qualquer uma das partes. Ora, na hipótese de não ser o caso de incompetência, bastaria o agravo de instrumento ser processado sem efeito suspensivo. Dessa forma não se estaria retardando o processamento da demanda.

No caso da competência, já há decisões, inclusive do STJ, reconhecendo o cabimento de agravo de instrumento para essa questão. Todavia, a ampliação do rol fixado pelo artigo 1.015, do Código de Processo Civil deve ser maior. 

A uma, pois diversas situações não previstas no mencionado dispositivo legal, caso não decididas imediatamente, podem causar grandes prejuízos às partes, tais como a competência ou, ainda, indeferimento de produção de provas. 

E, a duas, em razão do possível ressurgimento de mandado de segurança contra tais decisões, principalmente em situações de risco de dano de difícil ou incerta reparação, o que acaba por destoar da intenção do legislador ao editar o novo CPC.

Origem histórica do agravo de instrumento

A origem do agravo no direito português

O agravo tem sua origem no direito português, remontando à época do Rei Afonso IV. Como apontado por Nelson Luiz Pinto(2), “os agravos são recursos de origem exclusivamente lusitana e não encontram similar em outros sistemas contemporâneos, explica Ovídio Batista da Silva. Tiveram origem no Direito Medieval português, como um instrumento formado pela prática judiciária para contrabalançar a determinação então vigente que vedava o recurso de apelação das decisões interlocutórias (Curso de Processo Civil, v. II/370).”

Esclarecendo as razões do surgimento de tal recurso, Barbosa Moreira(3) consigna que “o recurso de agravo surgiu no velho direito português como reação da prática judiciária ante a restrição imposta por Afonso IV à faculdade de apelação contra as interlocutórias. Não se conformavam as partes com decisões desse tipo, que lhes causavam, às vezes, prejuízo irreparável. Insistiam em pleitear a imediata correção do agravo ao Rei (querimas ou querimônias), requerendo ‘cartas de justiça’, cuja eficácia ficava subordinada à cláusula de serem verdadeiras as alegações do requerente.”

Mais adiante, esse autor consigna que as Ordenações Manuelinas reconheceram o agravo como meio de impugnação das decisões interlocutórias simples, vigendo em duas modalidades: “quando o órgão ad quem ficasse sediado no mesmo lugar do órgão a quo, o agravo subia por petição; na hipótese contrária, por instrumento. (…). A essas duas modalidades vieram a acrescentar-se três outras: o agravo ordinário (anteriormente denominado suplicação), o agravo de ordenação não guardada e o agravo no auto do processo, cuja instituição como figura autônoma se costuma atribuir à Carta Régia de D. João III, de 1526, mas que, conforme mais recente e acurada investigação, remonta à segunda publicação das Ordenações Manuelinas (1521).”(4)

O agravo no Código de Processo Civil de 1939

O Código de Processo Civil de 1939 foi o primeiro diploma processual unitário do Brasil. Antes dele vigiam codificações estaduais, a exemplo dos Códigos de Processo Civil do Estado de São Paulo e do Estado da Bahia, que às vezes mostravam-se muito diferentes entre si. No tocante à recorribilidade das decisões interlocutórias gravosas, o CPC-39 foi recebido no meio jurídico com uma grande insatisfação em decorrência da restrição recursal criada(5). Nesse sentido, o mérito do CPC-39 foi de afastar a oralidade do agravo e fixar (limitar) as hipóteses de cada modalidade de recurso.

Referido codex classificou o agravo em três modalidades: agravo de petição; agravo de instrumento e agravo nos autos do processo. Segundo Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, era previsto agravo de petição contra as decisões terminativas, ou seja, sentenças que extinguiam o processo sem resolução de mérito, sendo que o agravo de instrumento foi designado como recurso a ser interposto contra as decisões interlocutórias previstas no art. 842, do CPC de 1939(6).

Por fim, o agravo nos autos do processo era cabível contra decisões que julgassem improcedentes as exceções de litispendência e coisa julgada; que não admitissem a prova requerida ou cerceassem, de qualquer forma, a defesa do interessado; que concedessem, na pendência da lide, medidas preventivas; que considerassem, ou não, saneado o processo. Somente o agravo nos autos do processo admitia a forma oral, para sua interposição, podendo, ainda, o agravante optar pela forma escrita.

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(1) DIDIER JR., F; CUNHA, L. C. Curso de direito processual civil, vol. 3. Salvador: Jus Podium, 2016; p. 206.
(2)PINTO, N. L. Manual dos recursos cíveis. São Paulo: Malheiros, 1999; p. 131.
(3) BARBOSA MOREIRA, J. C. Comentários ao código de processo civil, volume V. Rio de Janeiro: Forense, 2013; p. 483.
(4)Op. Cit. P. 483.
(5) ASSIS, A. Manual dos recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; p. 465.
(6) Op. Cit. P. 201.