Garantia de confidencialidade

Maria Cibele Crepaldi Affonso dos Santos
Mariana Paranhos Malhães da Silva Lemos
Vamilson José Costa

Mesmo quando optam por um caminho alternativo ao Poder Judiciário para solucionar conflitos, as empresas podem discutir segredos corporativos com o devido sigilo e, simultaneamente, preservar sua imagem em relação aos efeitos desfavoráveis que litígios judiciais costumam causar. A confidencialidade — ou, ao menos, a discrição — é um corolário e uma garantia da escolha arbitral.

Entretanto, convém relembrar que, ainda que considerada decorrência natural da arbitragem, a confidencialidade do procedimento tem origem na manifestação de vontade das partes. A escolha da câmara de arbitragem que administrará o procedimento e a redação da cláusula arbitral salvaguardam futuras discussões acerca do grau de discrição de eventuais litígios, sendo certo que, uma vez instaurada a arbitragem e não havendo consenso entre as partes, os árbitros tenderão a proteger o aspecto privativo desse método de resolução de conflitos. A doutrina especializada e a prática, inquestionavelmente, confirmam o caráter privado da arbitragem, bem como a confidencialidade do procedimento — incluindo sua existência, as provas produzidas e seu desfecho. Nesse sentido, apesar de não haver disposição na Lei de Arbitragem, os regulamentos das principais instituições de arbitragem, nacionais e internacionais, informam que, salvo acordo expresso das partes em sentido contrário, tanto a existência do procedimento quanto o seu conteúdo serão sigilosos.

A despeito da inexistência de discussões quanto à regra geral de confidencialidade, sua materialização continua a gerar algumas dificuldades, especialmente quando as partes envolvidas exigem, por sua própria natureza, a comunicação e a publicidade de seus atos. Esse é o caso, por exemplo, das arbitragens envolvendo a administração pública — tema que será abordado mais detalhadamente em outros artigos — e as companhias de capital aberto.

Particularmente em relação às companhias abertas — especialmente as que integram o Novo Mercado, cujos estatutos devem obrigatoriamente conter cláusula compromissória da Câmara de Arbitragem do Mercado da B3 (CAM) —, a questão comporta aparente contradição: essas empresas estão obrigadas a divulgar aos seus acionistas e ao público em geral informações relevantes capazes de influenciar a decisão de investimento, ao passo que a própria CAM prevê que o procedimento arbitral é sigiloso (art. 9.1 do regulamento de arbitragem da CAM).

O paradoxo entre confidencialidade e publicidade já está parcialmente normatizado (veja-se, notadamente, a Instrução 358 da CVM, que trata das hipóteses de divulgação de fatos relevantes) e permite-se que procedimentos judiciais, administrativos e arbitrais que estejam sob sigilo, tanto por determinação judicial quanto por força da vontade das partes, não tenham o seu conteúdo divulgado.

As exigências legais de transparência não pressupõem, portanto, a divulgação de peças processuais, de decisões ou mesmo do objeto da lide, mas apenas da existência do procedimento arbitral. Com efeito, o provisionamento e a apresentação de relatório de risco elaborado por empresa de auditoria, que tem acesso ao conteúdo relevante do procedimento arbitral, podem ser suficientes para atender as exigências de divulgação.

A interpretação sistemática das diversas normas que regem o mercado de capitais torna claro que o direito à informação não é absoluto e que a confidencialidade do procedimento arbitral — que também deverá, em determinados casos, ser parcialmente flexibilizada — representa, na verdade, uma proteção à companhia e a seus acionistas contra especulações e influências indevidas no desenvolvimento do procedimento. Por essa e outras razões, as violações à confidencialidade do procedimento arbitral, em especial quando envolvem empresas de capital aberto, têm sido repreendidas pela jurisprudência brasileira e internacional, como examinaremos no próximo artigo.